Esta pesquisa não se limita somente à linguagem dos quadrinhos, mas se preocupa de tal modo que esta mesma linguagem possa ser trabalhada em prol de uma linguagem dita universal, a que não conhece barreiras impostas pela tradução lingüística: a iconografia. Ainda que os símbolos possam adquirir diversos significados em diferentes lugares, o estudo da imagem justifica-se como veículo quando não se é necessário prévio estudo para assimilação da informação. A imagem pictórica é recebida instantaneamente, assim como a leitura de palavras é percebida após um processo de decodificação.
Vimos que a leitura de quadrinhos utiliza-se do fenômeno conclusão, onde este ocorre quando existir antes um claro entendimento de como o meio(quadrinhos) funciona. Como um acordo entre leitor e criador da obra, onde o este, o artista, cria o quadrinho tendo ciência do processo de assimilação da linguagem pelo leitor. Ou seja, é preciso haver, como Eisner diz, uma “comunidade de experiência” onde o artista evoca imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes20. Para que a linguagem funcione e a mensagem seja entregue, o artista tem de ter uma compreensão da experiência de vida do leitor21. Ao contrário da linguagem cinematográfica, em que a ação é apresentada pronta e visível, na hq quem “cria” a animação é o leitor, em seu imaginário.
Mas o que chamamos aqui de Quadrinho mudo? Logicamente, todauma revista não fala(haha...). Mas denominamos aqui "Quadrinho mudo" todo quadrinho que não utilize de recursos escritos, mas sim somente de imagens. Lembrando é claro, que ao tratar de "imagens", nesse caso tratamos de imagens pictóricas, já que letras também são imagens. Para entender melhor essa "distinção", veja aqui. Utilizar-se de somente imagens para criar um quadrinho não é impossível, uma vez que imagens pictóricas e letras tem, os dois, as mesmas origens. Senão impossível, ao menos mais trabalhoso, demandando estudo aprofundado do ícone(ou não?) e seus sistemas simbólicos, uma vez que uma imagem por si só pode ter inúmeras interpretações, podendo estar a mensagem comprometida no meio do caminho.
Linguagens que não denotam o uso de sons ou letras existem, mas para estes fins, o da produção dos quadrinhos, não são viáveis por inteiro. A linguagem de sinais e o braile, por exemplo. A primeira usando-se de recursos visuais do gestual manual requer prévio estudo para seu entendimento. Surdos-mudos não nascem sabendo esta linguagem. Eles aprendem como deve ser. Assim como a linguagem escrita/verbal(mais precisamente o idioma português), onde determinadas palavras assumem significados em diferentes regiões, tanto nacionais quanto internacionais; algumas palavras na linguagem de sinais tem diferentes interpretações gestuais em alguns lugares. A segunda opção, o braile, usa-se de recursos, em certo grau sensitivo maiores, contando com as superfícies táteis. Para os quadrinhos mostra-se inviável por se tratar de um veículo de comunicação não-visual, embora a idéia de superfícies sensíveis ao toque possa acrescentar mais á configuração perceptiva de um material extremamente visual.
É claro que, de certo ponto de vista, aprendemos a ler imagens e a simbolizar o mundo desde nossos primeiros anos de vida através de toda a herança imagética deixada pela história humana. Ou seja, o mundo já estava aí antes de você nascer. Ele já caminhava por si antes de você engatinhar, e tem uma história a qual você herdará. Mas a partir do momento que nascemos neste meio, o que antes era superficial torna-se necessário e mais universal que a palavra escrita, esta denotando estudo mais complexo.
Vejam a linha de raciocínio e de entrega que damos ao ícone(linha de evolução, talvez?):
necessário;
universal
Para nossos fins, propósitos que estipulamos, convém aqui estudar casos onde a imagem é usada como um fim nela mesma e que, por meios de seus próprios recursos, alcança com sucesso a transmissão da mensagem. Com letras e palavras, você pode explicar determinado assunto durante horas num discurso ou em 40 linhas, nos mais minuciosos detalhes, mas com imagens você tem sempre de mostrar.
Simbolismo/pictogramas:
Já foi dito aqui sobre pictogramas japoneses e chineses, os chamados ideogramas, que são em sua maioria representações abstratas da forma. Com o tempo, essa representação foi se refinando e, livre dos excessos, cada vez mais longe do real. Ou seja, sua representação simplista cada vez mais despindo-se de superficialidades, mantendo a essência da mensagem na forma a qual quer representar. Resumindo numa análise fria e particular, sua composição utiliza-se de alguns traços e desenho da, chamemos aqui, silhueta identificável. A silhueta identificável é algo de extrema importância, não só nos quadrinhos, mas está presente constantemente no imaginário humano. Para um quadrinho mudo faz-se necessário uma clareza na criação das imagens para sua fácil identificação. Silhuetas tornam-se complicadas de serem entendidas num contexto meramente visual(pictórico). Dessa forma, diversas silhuetas podem comunicar a mesma mensagem, o que demanda estudo. E assim, uma coisa puxa a outra.
A sinalização é composta por elementos que atuam para exercer sua função de acordo com o elaborado, com um objetivo claro. Logo, uma sinalização que não cumpre sua função é inválida.
Os signos usados na comunicação visual dividem-se em três categorias(segundo minhas fontes):
Ícone: signo que se refere diretamente entre seu significante e signicado. Um ícone é uma representação de algo... Uma fotografia, por exemplo, é uma representação icônica da pessoa fotografada.
Símbolo: signo relacionado a idéias, são fonogramas (representam letras ou sons), ou logogramas(que representam palavras, objetos ou conceitos), e se dividem em símbolos similares a imagens (o famoso pictograma) ; símbolos similares a conceitos e símbolos arbitrários.
Símbolos similares são auto explicativos, representam o objeto real mas são formas estilizadas deste, condensando e "refinando" a informação.
Já os Símbolos arbitrários possuem uma relação conceitual específica ao conceito do objeto porém não possuem semelhança com o objeto. (Formiga, Eliana de lemos. Ergonomia informacional – Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro, 2002)
Um bom exemplo para se entender: banheiro feiminino. Um pictograma de uma mulher numa placa de banheiro é um ícone, porque está alí representando(graficamente) quase que fielmente uma mulher através das características mais básicas, descreve aquele lugar como sendo de uso estrito da mulher(um pictograma de mulher para identificar o local como de uso feminino que seria como se dissesse: "Só quem é assim pode entrar aqui"); no mesmo exemplo, se houvesse o desenho de um batom ao invés do pictograma de mulher, este, nesta função torna-se índice, pois usa-se um objeto feminino para "indicar" que aquele local é próprio de uso feminino. O batom está alí indicando, sinalizando: "Só mulheres entram aqui" que é o mesmo que dizer "Só quem usa batom pode entrar aqui". Importante lembrar que em outra situação o batom pode ser icônico, pois é uma reprodução gráfica do objeto batom; neste raciocínio e ainda neste exemplo, se ao invés de pictogramas e batons, tivéssemos um círculo com uma cruz voltada para baixo, este estaria simbolizando "o gênero feminino", ou seja, seria um símbolo. Seria como se dissesse: "Só entram aqui pessoas deste sexo".
Nem sempre é fácil identificar o que é ícone, índice ou íimbolo... Embora eles estejam sempre a todo momento e ao nosso redor, e muitas vezes eles se misturam e aparecem juntos, trocando suas equivalências. Ou seja, um símbolo as vezes também pode ser ícone ou mesmo índice. Isso está muito presente nos logotipos e quando bem usado, dota-o de uma força e bases que o sustentam. Passam a ter um valor além da imagem.
Voltando á questão dos pictogramas, estes utilizam a idéia da silhueta para fácil assimilação, já que a idéia do pictograma é realmente a simplicidade da forma. Para a construção de uma silhueta viável para tal, o ideal é trabalhar com o preto, que, por se tratar de uma cor neutra, os olhos não se deixam “iludir” pelas cores, que podem estar associadas a sentimentos ou idéias. Nas placas de sinalização, o uso das cores une-se ao pictograma para comunicar a mensagem.
Cores:
As cores são um importante recurso das imagens, já que cada cor evoca um sentimento ou idéia específicas, além de efeitos distintos, tanto por causa de nossa capacidade de percepção quanto pelos efeitos psicológicos que das cores pode advir. Vale citar algumas das mais básicas22:
Vermelho: a mais saturada das cores. Seu alto grau de croma destaca-o visualmente; é percebido mais rápido pelos olhos que outras cores. Por causa de sua capacidade de penetrar profundamente até mesmo na neblina e escuridão, é uma cor propícia ao uso de luz de alarme em construções elevadas, cimo de prédios, proas de embarcações, etc. Em fundo preto o vermelho ganha força agindo como espécie de área luminosa, e torna-se escuro e terroso em fundo branco. Por se tratar da cor do sangue, não é à toa que o vermelho é associado à perigo de morte em sinalizações no mundo inteiro. Na sinalização de trânsito significa sinal fechado para o motorista e para o pedestre, livre passagem.
Amarelo: amplo, expansivo e desconcertante, aparenta mais tamanho do que tem; se preenche um quadro, a sensação é a de que está tentando escapar de seus limites. Torna-se pouco discernível se aplicado sobre fundo branco, ocorrendo o inverso se o fundo for preto, ganhando energia e força vibrantes. Ganha croma se em contraste com o cinza. É ligado à idéia de impaciência. Costumeiramente é aplicado, diz-se que propositadamente, junto do vermelho como cores identificantes de redes de Fast food, onde o vermelho dá fome e o amarelo incomoda, funcionando com a idéia de comida rápida ou de comprar e ir embora. Textos grifados em amarelo tem alto grau de retenção na memória humana. O amarelo também é usado para sinalizar alarme sanitário indicando áreas contaminadas por doenças contagiosas; no trânsito é o sinal de espera, de atenção para os sinais verde e vermelho.
Verde: segundo Wassily Kandinsky, “O verde absoluto é a cor mais calma que existe. Não se acompanha nem de alegria, nem de tristeza, nem de paixão.” É considerado ponto ideal da mistura do amarelo com o azul. Se escurecido com o preto, perde sua identidade, tornando-se acinzentado. Clareado com o amarelo, torna-se altivo, penetrando a variada gama de verdes-limão chegando até mesmo á confundir-se com os tons amarelos-limão. Se misturado com o branco e dessaturado, ganha qualidade luminosa. Sua característica tranqüilizante por vezes até sedativa quando claro, facilmente se combina com os tons mais fortes e saturados em ambientes de repouso, de estudo e de trabalho. Na sinalização de trânsito, o verde significa livre passagem para o motorista enquanto para o pedestre é sinal de espera.
Azul: segundo Da Vinci, “O azul é composto de luz e trevas, de um preto perfeito e de um branco muito puro como o ar.” Considerada a mais profunda e imaterial das cores, o olhar nela penetra sem encontrar barreiras. Surgindo nas superfícies transparentes dos corpos, antigamente acreditava-se que era obtido pela mistura do preto e do branco. Associado á idéia de superioridade, foi escolhido como “cor nobre”, derivando daí o termo sangue azul.
Preto: segundo Batista da Costa, “O preto na luz é mais claro que o branco na sombra.” A não-cor. Cor do luto, símbolo de morte. Posto ao lado do branco, ganha força e destaque. Produz o cinza se a ele misturado. Cores como vermelho, amarelo e azul, por exemplo, se contornadas por preto aumentam sua luminosidade e vibram mais. Psicologicamente, o preto simboliza angústia infinita, perda irreparável.
Branco: fisicamente falando, o branco é a soma de todas as cores; psicologicamente, é a ausência delas. Usado para simbolizar a paz, esperança, pureza, inocência, verdade e felicidade, o branco aparece na bandeira da ONU, no desenho do globo terrestre e dos ramos de louro sobre o fundo azul.
“(...) Nos candomblés da Bahia, (...) o Pai dos Orixás, Deus Supremo, vestia branco totalmente de branco como nenhum outro entre os deuses nagôs, jejes ou angolanos.” 23
As cores possuem uma gama de recursos de identificação com sentimentos, sensações e climas que somente o preto e branco não dão conta, mas preto e branco podem através de alterações na forma da linha obter efeito semelhante. O mangá, por exemplo, em sua maioria preto e branco, não perde em nada seu grau de imersão por só recorrer a duas cores. O uso de retículas e grafismos exercem essa função, criando uma identidade própria.
Pantomima
Só cores talvez não consigam transmitir o estado emocional do personagem num quadrinho mudo. Recorreremos, então á expressões faciais e corporais do mesmo para que seus sentimentos sejam visivelmente explícitos em seu gestual. Usando desse recurso, faremos referência à Pantomima ou teatro mudo, a arte de narrar com o corpo. Junto do estudo dos pictogramas, o gestual da Pantomima faz-se um complemento na narrativa gestual e imagética.
Os recursos que a Pantomima utiliza-se para comunicar sua mensagem são:
Como exemplo, temos grupos de pantomima cristãos que costumam utilizar dois tipos de figurinos, centrados em padronização e casualidade.
*Casualidade: quando determinada peça requer determinada roupa, exemplo: num papel de uma menina, se veste uma roupa de menina, assim como no teatro dramático.
*Padronização: Há uma definição prévia da roupa usada pelos personagens(demônios, satanás, anjos, Deus, Jesus, etc,), seguindo uma padronização com pequenas distinções entre um e outro. Por exemplo: personagens como Jesus, Deus e anjos vestem roupas todas brancas, porém anjos podem ter asas, Jesus e/ou Deus usando um manto mais longo; os demônios, pessoas comuns e satanás podem vestir roupas pretas, porém satanás com um manto negro mais longo.
Entretanto, o figurino deve fazer assimilação com o imaginário do publico, não pode ser ambíguo ou confuso, sendo antes objetivo e claro na mensagem.
Maquiagem: Tão importante quanto o figurino. Sendo a Pantomima uma arte abstrata, a maquiagem não precisa ser muito elaborada, mas antes simples e objetiva para a identificação dos personagens.
Expressão facial: Um dos máximos recursos da Pantomima. Revela as emoções dos personagens, precisando ser usada com cautela e discernimento, pois nem sempre uma dada expressão corresponde ao motivo a que geralmente associamos. Não é em todos os casos, por exemplo, que o sorriso indica alegria. Sorrir com os olhos é uma expressão que faz-se necessária para indicar alegria plena. Um exímio artista de Pantomima treina todas as suas expressões faciais e caretas possíveis como um artista esboça traços variados no papel. Ele precisa conhecer seu rosto antes de mais nada. Com a chegada do cinema falado, muitos desses artistas viram-se ultrapassados por essa grande mudança e muitos deles, apesar de grandes mestres das expressões faciais, não tinham um timbre de voz equivalente. Para os quadrinhos mudos, expressões faciais dizem muito mais que palavras pela sua simplicidade. Dentro desse recurso, o cuidado é usar-se dele sem tornar os sentimentos dos personagem artificiais, ou as expressões exageradas por demais.
Expressão corporal: Se a expressão facial diz muito a respeito do personagem, a postura corporal pode contradizer a mensagem se mal utilizada. A linguagem corporal diz muito nos gestos de uma pessoa e pode até revelar hábitos e personalidade pessoais. Alguns exemplos:
Pessoa aberta: braços paralelos apontando para frente(como se esperasse um abraço), palmas das mãos visíveis;
Pessoa fechada: braços cruzados, criando uma barreira;
Pessoa prestes a tomar uma decisão: alisar o queixo;
Pessoa neutra: pernas em posição de "sentido"(cumprimento militar), retas e juntas(em pé ou sentado);
Homem dominador: Pernas abertas;
Pessoa “no mundo da lua”: Pernas e braços cruzados ao mesmo tempo.
20. Eisner, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial, p.13
21. Idem.
22. Pedrosa, Israel; Da cor à cor inexistente, p.107-104, p.117-119
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