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sábado, 4 de julho de 2009

Quadrinhos: A linguagem e seu vocabulário (parte2)

Texto e imagem

Houve momento na história do conhecimento humano que, escrita e imagem, depois de muito tempo separados, foram reinventados ou senão experimentados de nova forma em evoluções e revoluções nas artes, lutando para "religar" os dois sistemas ou, como queiram, as duas artes. Se falhasse, ficaria à disposição então como resultado, como uma nova perspectiva do assunto. Os responsáveis foram movimentos como Cubismo, Dadaísmo, Futurismo, etc. Eles buscaram retratar/estatizar o movimento, capturar toda a sua essência num único quadro, abstraindo o objeto que exercia o movimento, quem executava a ação, para retratar o próprio movimento em si, numa tentativa de eternizar o efêmero. Nessa nova possibilidade, alguns deles experimentaram também tratar a letra além de suas significações mais óbvias, obras que davam a elas um caráter artístico para as suas funcionalidades, evidenciando suas formas e remexendo em seus conceitos, como os poemas de letras pegas ao acaso.

Em busca de uma comparação de quadrinhos com o estudo tipográfico, descobrimos diversas semelhanças na leitura dos dois, digamos... sistemas.(clique nas imagens para melhor ler as informações nelas contidas...)

1. os dois são lidos sequencialmente, de cima para baixo e da direita para a esquerda;

2. tanto na construção de cada letra ou malha tipográfica quanto na disposição dos quadros de uma página de hq, temos uma grid, um recurso que utilizamos para melhor dispor cada elemento conforme a visão do leitor(vamos lá: grid ou grade, linhas verticais e horizontais que compõe uma malha, sobre a qual se cria uma fonte ou uma página de quadrinhos...);

3. ambos os sistemas lidam com espaços em seus ícones justapostos: entreletra/entrelinha para a fonte e no caso do quadrinho, a sarjeta(o espaço entre cada quadro), que influem na leitura das imagens, gerando algum tipo de sensação, seja de desconforto ou qualquer outro tipo de sentimento;

4. o branco: se falamos de espaço entre elementos, temos que citar também os espaços não utilizados em volta desses elementos. Ás vezes tal recurso pode parecer um desperdício para leigos: "E esse branco aqui? Põe mais texto aqui, senão fica um buraco..." Mas o bom criador(diagramador ou quadrinhista) sabe para que fins utilizará esses espaços: no caso do diagramador, fazer o texto “respirar” no papel, não causando fadiga no leitor, por exemplo. Nos quadrinhos, o branco pode ser um recurso narrativo, que foi bastante explorado nos mangás(como será visto mais adiante, noutros posts);

5. mais uma vez, o branco: outra semelhança entre os dois sistemas, além do espaço entre os elementos (entrelinha/ entrequadro) é o espaço acima/ abaixo dos elementos. Entenda-se: o tamanho das entrelinhas num corpo de texto precisam ser bem equilbradas, para não sufocar ou dispersar a leitura. Da mesma forma ocorre com os quadrinhos. Akira Toriyama(autor do mangá Dragon Ball) faz uma breve constatação do assunto em seu livro Mangaká: Lições de Akira Toriyama14. Ele recomenda que os espaços dos entrequadros(espaços verticais) e das linhas de entrequadros(espaços horizontais) sejam diferentes. E de fato vemos isso em obras suas. No entanto, há artistas que suprimem este espaço com quadros colados um no outro em busca de um estilo. Para os espaços horizontais e verticais não existe um padrão, visto que:

6. regras existem para serem quebradas. Somente conhecendo toda a gramática das linguagens é que pode-se inovar com um pé em terreno conhecido. Regras são como “as estradas velhas e viajadas que passam pelo coração da tradição: cada um de nós é livre para segui-las ou não, e podemos nelas entrar ou delas sair quando quisermos – se ao menos soubermos que estão lá e tivermos uma noção de onde nos levarão.” 15

7. e por último, o peso: Ambos trabalham com a idéia de conforto visual, e para tal os elementos precisam ser bem estruturados. Mais especificamente, peso faz referência ao traço, presente no corpo da letra/traço dos quadros ou no desenho característico do artista. Em ambos os casos o peso atua na leitura, prejudicando ou não o feedback do leitor.

Esses foram aspectos abordados na comparação entre tipografia e história e quadrinhos. Mas uma segunda questão é que quadrinhos lida com a interação de letras e imagens(parece errôneo discernir dessa forma, mas estamos acostumados a ver as coisas assim, como letras não sendo imagens, como letras sendo somente letras), uma hibridação de dois sistemas icônicos, onde os dois convergem para um mesmo fim; não pode haver disputas internas entre um e outro com o perigo de comprometer a narrativa.

Houve lugares em que essa distinção letra/imagem foi muito sutil, concorrendo para uma transformação um tanto quanto peculiar.

No desenvolvimento das caligrafias chinesa e japonesa, não ocorreu por completo uma separação entre letra e imagem. Antes, numa proposta de valorização do símbolo em contraposição à imagem puramente pictórica, surgiram estudos de técnicas em favor de sua execução. Fundamentos teóricos e filosóficos expressavam-se nos movimentos do pincel, gerando não apenas símbolos, mas linhas e espessuras dotadas de sentido.

Na caligrafia chinesa, o shodô não busca a perfeição, mas a expressividade. Mais precisamente, a manifestação do espírito humano. Consiste de muito estudo e treinamento, visto que o shodô trabalha com a idéia de não-correção dos traços irregulares, “assim como não se pode corrigir quem se é.”16 Esta técnica preza pela manifestação do estado emocional e mental, e para ocorrer uma mudança de suas falhas no shodô, nos traços irregulares, é preciso antes aperfeiçoar-se internamente.

O Japão utiliza quatro tipos de letras: O alfabeto romano, mas sem cedilhas e acentos; o Hiragana; o Katana e o Kanji.

Kanji(ideogramas), num sentido mais amplo significa “escrita chinesa” e data de mais de 5 mil anos. Há mais de 50 mil caracteres que desde sua evolução sofreram mudanças significativas. Cada Kanji possui um significado implícito em sua forma.

Hiragana é um alfabeto silábico de 71 letras, versões mais simples do Kanji criados por mulheres no Japão antigo privadas de educação.

Katana: devido a complexidade do número de Kanjis, os monges criaram lembretes postos ao lado dos caracteres mais complexos que mais tarde se tornaram o Katana. Também é composto por 71 letras e, assim como o Hiragana, representam apenas sons. (disponível em: http://us.geocities.com/hokubu_kun/escritajaponesa1.htm)

O Mangá mesmo tem forte vínculo com a escrita japonesa e é amplamente usado, desde a pré-escola até o colegial, no ensino do idioma japonês. O sistema de caracteres chega a ser tão complexo que mesmo um japonês adulto não tem pleno domínio sobre ele. Uma página inteira de um jornal só poderá ser lida por um japonês depois da faculdade, e até um jornalista tem um vocabulário apenas próximo à inteireza dos Kanjis(o que leva anos de estudo). Interessante notar que um outro sistema de caracteres foi criado para auxiliar as crianças e adolescentes na leitura, o furigama. Nele, o hiragana é posto ao lado do kanji. Já que o kanji expressam uma idéia, e o hiragana apenas sons, a criança aprende como se pronuncia tal kanji. (Vasconcellos, Pedro Vicente Figueiredo. Manga-dô- o caminhos das histórias em quadrinhos japonesas. págs 28-29)

Tanto na caligrafia chinesa quanto a japonesa, encontramos o conceito de que a arte não está no resultado, mas antes na beleza da execução, nos movimentos. Quando há um domínio sobre si mesmo, o resultado se reflete no papel. Nada que fuja do conceito do yin e yang e do feng-shui, filosofias que lidam com a idéia do equilíbrio.

Na produção de certa fonte tipográfica, características do desenho da letra influem na unicidade dos caracteres e sentido de leitura enquanto no traço do artista, “a aplicação sutil do peso, ênfase e delineamento combinam-se para evocar beleza e mensagem.”17

Fontes serifadas funcionam muito bem em livros facilitando a leitura, mas em quadrinhos, a imagem cumpre tal papel em que a serifa pode ser descartada. Seu uso se viria justificado se contextualizado quando a história requer esse uso, seja como refinamento artístico, recurso narrativo ou representação(por ex. numa imagem de páginas de livros).

Segundo Will Eisner, esse tipo de letreiramento feito à mão tem efeito sobre representação do som e o estilo de falar, relacionando-se com a palavra falada que é afetada por mudanças de inflexão e nível sonoro18. De certa forma, podemos relacionar esse tipo de recurso aos hiraganas japoneses, que em sua estrutura representam somente sons, e as letras ocidentais, por meio de sua classificação(roman, bold, light) simulam intensidade sonora.

14. Toriyama, Akira. Mangaka-lições de Akira Toriyama, p.53

15. Bringhurst, Robert. Elementos do estilo Tipográfico, p.15-16

16. Vasconcellos, Pedro Vicente Figueiredo. Mangá-Dô: Os caminhos das histórias em quadrinhos japonesas, p. 31

17. Eisner, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial, p.14

18. idem


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Esse post faz parte de nossa pesquisa. Para saber mais, leia:

Introdução
Por que quadrinhos?
Press on

Por uma definição: Arte Sequencial
Definindo o quadrinho
Origens
Quadrinhos para além dos super-heróis

A linguagem e seu vocabulário
Iconografia: letra e imagens pictóricas
Texto e imagem
Pensamento ocidental X oriental

Quadrinhos Mudos
Falando sem abrir a boca uma vez
Viabilidade como mídia de comunicação de massa
Exemplos

Síntese

O projeto
Adoção de partido
Desenvolvimento do partido adotado
Experimentação

Conclusão?

Um comentário:

Yabai disse...

belo texto!

=)

vou usa-lo de referencia algum dia, espero!