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terça-feira, 18 de maio de 2010

Reportagem em quadrinhos: Para além do super-universo

Junte imagem pictórica e escrita... E obteremos um meio gráfico para transmitir uma mensagem. Entre 1894 e 1895 foi publicado no New York Sunday World a primeira tira de The Yelow Kid, de Richard Felton Outcault. Mickey Dugan, o garoto amarelo, era uma criança dentuça de sorriso bobo de pijama amarelo, pijama este no qual vinham escritas frases de suas falas. Entretanto, 26 anos antes, por volta de 1869 aqui no Brasil foi publicado na revista Vida fluminense, o que pode ser chamado de a primeira hq brasileira: As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte do italiano naturalizado brasileiro Ângelo Agostini. Mais tarde, Agostini seria homenageado pela Associação Nacional dos Cartunistas com a criação do Prêmio Ângelo Agostini para os melhores quadrinhos nacionais de cada ano, em diversas categorias.

Apesar de surgir como suplemento dos jornais, a exemplo de Yelow Kid, essas tiras não possuíam a mesma "carga jornalística" das chamadas hoje reportagens em quadrinhos. Por vezes satirizavam a situação política da época, o que foi feito em exaustão na Vida fluminense, de Ângelo Agostini.

O próprio termo comics (cômico) revela a "verdadeira" ou primeiras intenções do quadrinho norte americano, ao tratar determinado assunto com humor, e tendo como finalidade, divertir. A função do mesmo não tem sido outra senão a do lazer, e ainda o mesmo conceito continua enraizado em nossas culturas. Os desenhos caricatos no Vida Fluminense satirizavam personalidades, assim como tempos antes, no Japão, ocorria o mesmo. As chamadas charges continuam em uso e circulam o mesmo meio que outrora: o jornal. Por toda essa história, a ilustração agregada de texto e rotulada como cômica, não poderia tratar assuntos de forma efetivamente séria, mas antes, retratava assuntos sérios de forma cômica, debochada.

Quadrinhos: fantasia/crônicas

Mas há tempos que os quadrinhos se desvincularam do jornal e trilharam seu próprio caminho. Parte desse caminho é chamado de era de ouro dos quadrinhos. Foi em épocas de guerra, em que era preciso levantar a moral dos americanos que apareceram heróis como Capitão América e a encarnação de todos os ideais nazistas em seu inimigo mais mortal, o Caveira Vermelha. Os quadrinhos tornaram-se de certa forma um meio de promoção do estado em uma personificação do herói ideal. Guerra do golfo e do Vietnã também serviram para mostrar outros super-heróis atuando nesses conflitos nas páginas dos comics. Até aí, os eventos do mundo real serviam como objeto de ambientação ou referência do que acontecia no mundo na época. Era como se pegasse um fato, um evento, e o elaborasse partindo dele para a fantasia, a ficção. Ainda não se estudava a idéia de usar o meio (quadrinhos) para retratar (ou interpretar) o real como aconteceu, ou seja registrar e divulgar um fato, uma notícia.

Retratar o real ao nível de uma crônica, ou seja, não apenas contar uma história, mas registrar algo que realmente aconteceu é o que pode ser visto em Maus: A história de um sobrevivente (2005). Maus retrata a história do pai do autor sobre suas experiências no holocausto da Segunda Guerra. Art Spielgeman utiliza aqui o que chamaríamos de “fantasia” apenas na caracterização de seus personagens, mostrando os judeus como ratos e os alemães como gatos. O quadrinho narra a história do Pai de Spielgeman em certos momentos como um documentário, chegando a adentrar na história e mostrá-la sendo vivida, vantagem do meio utilizado, o dos quadrinhos. Em 1992 Maus ganhou um “Prêmio Especial Pulitzer”, categoria proposta pelo comitê de premiação diante da incerteza em categorizar Maus como uma obra de ficção ou biografia.

Em um caso semelhante, Persépolis (2005) é uma autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi, escrita originalmente em francês e divulgada inicialmente para europeus e americanos. Persépolis narra pelos olhos de Satrapi aos dez anos a queda do Xá, a revolução no Irã do regime xiita e os impactos causados no dia-a-dia no colégio e em sua casa. Mostra também os contrastes sociais das classes e a questão do uso do véu para as mulheres. Marjane é bisneta de um ex-imperador do Irã e logo de início podemos identificar que a educação que recebera é uma mescla da tradição da cultura persa e de valores ocidentais.
Eventos causadores de impacto no mundo inteiro sempre renderam comentários nas diversas mídias e, a nível jornalístico, representam para nós um material que acaba se tornando o arquivamento de uma época, material que não noticia, não traz novidade em fatos, mas apenas comentam o ocorrido e o acrescentam de curiosidades, como os documentários. Com a nona arte, não é diferente. O que já chamamos aqui de objeto de ambientação é feito com muito esmero, trazendo eventos importantes para o universo dos personagens dos quadrinhos, gerando situações ás vezes um tanto irreais na própria história dos quadrinhos, como quando, ao ver a queda das torres gêmeas o atentado ao Word Trade Center no 11 de setembro, é mostrado Sr. Destino (principal inimigo do quarteto fantástico), chorando diante das milhares de mortes decorrentes da tragédia. Nessa tiragem especial do personagem Homem-Aranha, é transposta em quadrinhos a comoção diante da tragédia, a começar pela capa, toda preta. A história narra os pensamentos do herói Homem-Aranha diante do ocorrido e mostra os diversos super-heróis ajudando no resgate de sobreviventes dos destroços unindo-se a bombeiros, policiais e médicos. Mais do que comentar o ocorrido, esta edição traz um sentimento de união entre os americanos e de uma não impossível compressão entre as diversas culturas e etnias.

Foi numa espécie de cartaze que Art Spielgeman encontrou nos quadrinhos a forma de expressar toda sua revolta contra o governo Bush pós queda das torres gêmeas; de como ele encontrou desculpas para financiar a guerra no Iraque e de como desestabilizou a economia de seu país; revolta não só com o Bush, mas também com os próprios americanos em uma não-vontade de protesto ou falta de inteligência, chegando a chamá-los de “avestruzes”. Em À Sombra das Torres Ausentes, Spiegelman também relata o momento em que as torres estavam caindo (ele morava ali perto), e de como correu desabalado com sua esposa para buscar sua filhinha Nadja num colégio perto do incidente.

Falemos mais uma vez de objetos de ambientação, mas dessa vez num nível maior, o de colaboração para o desenrolar da história, quando pessoas do mundo real tornam-se reais no sistema “irreal” dos quadrinhos. Não é nada novo as aparições das personalidades presidenciais nos quadrinhos. Quando mais recentemente, surge uma edição de Savage Dragon onde este apóia a candidatura de Barack Hussein Obama à presidência dos EUA. Obama declara-se fã confesso dos comics e não foi por acaso que apareceu em 2009 numa edição de seu super-herói favorito, o escalador de paredes mais famoso do mundo. Em Amazing Spider-Man #583, Obama garante sua posse na Casa Branca graças à ajuda do Homem-Aranha contra a ameaça do vilão Camaleão. Este tipo de coisa é corrente nos comics americanos. Franklin Roosevelt, Kennedy, Jimmy Carter, Bill Clinton e até mesmo George W. Bush já marcaram presença nas páginas dos quadrinhos, só para dizer alguns.

A reportagem em quadrinhos propriamente dita

Obras de cunho definitiva e declaradamente jornalístico são, em sua maioria de Joe Sacco, inaugurador do gênero: Palestina: Uma Nação Ocupada(2000), Palestina: Na Faixa de Gaza(2003), Área de Segurança - Gorazde(2001) e Uma História de Saravejo(2005) “Devido à sua visão nua e realista das guerras, seu trabalho mereceu destaque em veículos como The New York Times, Entertainment Weekly, World Art, Speak, entre outros.” (citação em www.universohq.com) A série de dois volumes Palestina conta com 9 capítulos, resultado de entrevistas e experiências realizadas por Sacco no período entre final de 1991 e início de 1992. Não se pode desvincular da leitura desse quadrinho o fato do próprio autor ter estado no lugar que ele retrata em suas páginas e de ter conhecido e convivido dia a dia ao lado dos palestinos e israelenses que podemos vislumbrar através de seus traços. Sacco presenciou confrontos entre a população e os soldados, coletou relatos de gente que foi presa e torturada, de mães que perderam seus parentes e de como para alguns jovens ser preso e voltar era motivo de orgulho. Em Área de Segurança – Gorazde e Uma História de Saravejo Sacco aborda o mesmo assunto, a guerra da Bósnia, ocorrida em 1992 e 1995. O primeiro é resultado de suas visitas a cidade de Gorazde, quatro vezes entre o final de 1995 e o começo de 1996. Foram registrados os bombardeios à cidade, a fome, a luta dos homens para defender suas famílias e descrença da população sobre um acordo de paz entre sérvios e muçulmanos. No segundo título, é narrada a volta de Sacco para a Bósnia, em Saravejo, onde fora centrada mundialmente pela imprensa a guerra da Bósnia e onde Sacco conhecera o ex-combatente Neven, que sobrevive agora como guia de jornalistas. Como verdadeiro jornalista, Joe Sacco viajou pelo mundo em busca de histórias de gente comum, histórias que se mesclam na história das culturas e conflitos dos países e houve momentos em que teve que arriscar sua vida pela notícia. Afinal, ele precisava estar lá para ver e depois registrar-la em quadrinhos. Temos então uma nova forma de divulgar e propagar os fatos. O estilo do desenho de Sacco segue a linha underground dos quadrinhos, carregada em hachuras e no uso do nanquin, semelhante e tendo como referência direta Robert Crumb, o reverenciado quadrinhista underground.

Cabe um questionamento sobre esse já taxado new new journalism. Em tudo que se refere á imagem, temos algo de maculado em sua pureza quando a recebemos, falamos de “fatos”. Seja pelo enquadramento do fotógrafo, que escolheu uma interpretação entre milhares para uma única foto, seja pela pintura, “manchada” pelo estilo do artista e materiais empregados, seja também pelo que vemos ao vivo, que em todo seu processo de captação por nossos olhos é gradativamente acrescido de nossas experiências e primeiras impressões e, ao passo que se torna memória, temos em nossos arquivos mentais, uma visão nossa do acontecido, escrita por nossos olhos. Podemos falar em imparcialidade quando tratamos de um meio totalmente ligado a estética, e algo tão pessoal e interpretativo quanto a arte? Cabe a cada um seus julgamentos de valor, mas não podemos diminuir o trabalho de Joe Sacco em sua quadrinização dos fatos.


Bibliografia

Sites

www.universohq.com
www.wikipédia.com
gibicomics.blogspot.com

Livros:

Satrapi, Marjane. Persépolis, Ed. Cia.Das Letras
Spielgeman, Art. Maus: a história de um sobrevivente, Ed. Cia. Das Letras
Spielgeman, Art. À Sombra das Torres Ausentes, Ed. Cia. Das Letras
Sacco, Joe. Palestina: Uma nação ocupada, Ed. Conrad
Sacco, Joe. Palestina: Na Faixa de Gaza, Ed. Conrad
Sacco, Joe. Área de Segurança – Gorazde, Ed. Conrad
Sacco, Joe. Uma história de Saravejo, Ed. Conrad

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